Qual é o valor do tempo? Ou melhor, quanto vale o seu tempo? A resposta aparenta ser axiomática: “É inestimável”. Quando olhamos para tempo como conceito abstrato, isto é, sob a ótica científica, a discussão suscitada é inócua, sem implicações jurídicas relevantes.
Contudo, quando nos debruçamos sobre impacto do tempo no cotidiano das pessoas, notadamente dos vulneráveis, como idosos, gestantes, pessoas com deficiência e seus tutores, percebemos o elevado grau de importância de trazer à baila o debate sobre as implicações legais do dano temporal no âmbito do direito.
A possibilidade de se aplicar o instituto jurídico da reparação decorrente de danos temporais, para além da seara do direito do consumidor, o que já é sobejamente aceito na doutrina e na jurisprudência dos tribunais brasileiros, é muito promissora, pois possibilita corrigir distorções existentes nas relações civis, além de permitir que o direito acompanhe de perto as evoluções acerca das questões existenciais e que dizem respeito à dignidade da pessoa humana e às liberdades de escolha, sobretudo quando o assunto é: “Como vou usar meu tempo?”.
Para exemplificar: Imagine que você, sujeito de direitos e “cheio de compromissos”, tenha que comparecer a um órgão público para requerer um documento indispensável para a realização de um negócio imobiliário. É patente que o tempo de espera não depende exclusivamente do serventuário, visto que há uma série de burocracias internas que devem ser respeitadas. Mas só de imaginar o tempo que você terá de esperar, talvez seja o suficiente para te provocar calafrios ou até uma “arritmia cardíaca”.
É óbvio que a administração pública é regida, entre outros princípios, pelo princípio da impessoalidade, o que justificaria um tempo de espera razoável, por qualquer cidadão. Mas reflitamos, e se, por um acaso, a pessoa que fez tal requisição ao poder público fosse Maria, uma senhora de 80 anos, com problemas crônicos de saúde, porém lúcida, que deseja utilizar-se de documento indispensável para lavrar escritura pública de compra e venda de imóvel?
Caso haja a demora além do razoável, poderia aventar-se a hipótese de dano material ou moral? No que tange à discussão do dano material, oportuno destacar que caberia à idosa comprovar, por vias legais, no caso concreto, que a demora gerou um efetivo dano patrimonial. E quanto ao dano moral? Até o momento, a jurisprudência dos tribunais brasileiros é pacífica no sentido de que o “mero aborrecimento” não ensejaria dano moral, isto é, não caberia, no caso em tela, a aplicação de nenhum desses institutos para discutir eventual reparação.
Contudo, é fato que, se no exemplo citado, estivéssemos lidando com Antônio, um homem de meia idade, saudável, o fator da “perda do tempo” sequer seria objeto de discussão, já que o risco envolvendo o aspecto subjetivo do tempo no caso de Antônio seria irrisório, quando comparado ao caso de Maria, esta sim, em posição significativamente mais vulnerável em relação a Antônio, pois, imaginemos as implicações e danos irremediáveis envolvendo o direito sucessório e de eventuais herdeiros, em caso de seu falecimento, antes de concluído o negócio jurídico. Nesse sentido, há notória abertura para a discussão do dano temporal, uma vez que, o tempo é, mutatis mutandis, muito mais valioso para Maria do que para Antônio.
Com efeito, trata-se de assunto polêmico, porém com incontroversa relevância jurídica, uma vez que falamos sobre mudanças de paradigmas da responsabilidade civil, cuja preocupação cada vez maior é com a vítima do dano, em detrimento do foco no autor do dano, in casu, o próprio Estado, por se tratar de relação jurídica assimétrica, ampliando o escopo das hipóteses de reparabilidade no que atine aos eventos lesivos de natureza não patrimonial, aproximando as pessoas vulneráveis do acesso à reparação civil.
Conforme visto, o que diferencia o dano temporal das demais espécies de dano é a prescindibilidade de comprovar o que deixou de ser feito. Trocando por miúdos, não há que se falar na necessidade de se demonstrar quais atividades, produtivas ou não, foram “sacrificadas” pela pessoa vulnerável, pois o aspecto relevante, aqui debatido, é a “presunção absoluta” de que o indivíduo lesado iria
realizar alguma atividade nesse tempo, qualquer que fosse sua natureza.
Em suma, o debate acerca do dano temporal é amplo e complexo, porém, possui totais condições, uma vez definidos os parâmetros legais e seu alcance, de incorporar o instituto de danos extrapatrimoniais de uma vez por todas, não apenas em decisões monocráticas ou colegiadas esparsas, mas uniformes e definitivas, pois é inadmissível, por retóricas de tolerância e condescendência,
fulminar qualquer que seja o tempo subtraído da vida, tempo este valiosíssimo e irreparável. Reparável, por sua vez, é o entendimento extemporâneo, cediço, sobre o tempo e suas implicações, que não mais se conforma com a realidade
dos fatos.
Autor: Dr. Rafael Lucas Prado do Nascimento
Advogado - OAB/SP 419.192
16\02\2024
Assim como a vida, o tempo é um precioso bem jurídico que necessita de proteção jurídica para garantir a sua compensação em caso de sua perda. Perder tempo é perder qualidade de vida, felicidade e até saúde, quando a perda é decorrente de problemas que prejudicam o gozo do uso do tempo de forma benéfica.
Em algumas temáticas, o dano temporal vem sendo considerável possível de processos indenizatórios, embora isto ocorra preferencialmente de forma coletiva. O Superior Tribunal de Justiça já STJ aceitou a compensação da perda do tempo através do reconhecimento de um dano moral coletivo, mas não reconhecendo, naquele caso, o dano individual, como é o caso da demora excessiva no atendimento bancário (BORGES E MAIA, 2019).
Ainda que este seja o entendimento, é imperioso destacar que não existem fatores impeditivos para que o dano temporal seja reconhecido em sua individualidade, considerando a própria peculiaridade que o tempo apresenta em personagens diferentes. Mesmo considerando que a média de vida é de 76 anos, por exemplo, há de se considerar diferente a mensuração do tempo em pacientes terminais ou até mesmo idoso, a título de exemplo.
Além da jurisprudência acerca do tema, a consideração do tempo como valor jurídico também está presente nas normas jurídicas, sejam elas constitucionais ou infraconstitucionais, como por exemplo, o artigo 5º da Constituição Federal, inciso LXXVIII, que versa sobre a razoável duração do processo (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004), bem como pela existência de outros institutos presentes em normas infraconstitucionais, como a prescrição, decadência, preclusão e até mesmo juros e mora. Neste campo, também é preciso destacar o Decreto n 11.034, de 2022, que regulamenta a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do Consumidor, para estabelecer diretrizes e normas sobre o Serviço de Atendimento ao Consumidor, que proíbe a veiculação de mensagens publicitárias durante o tempo de espera para o atendimento, exceto se houver consentimento prévio do consumidor.
Diante de questões temporais, o tema ainda é abordado de maneira discreta, segundo o que se extrai da jurisprudência recente, fato este, que demonstra a necessidade de aprimorar não apenas a jurisprudência, mas também a doutrina que aborda o tema, de forma que isto facilite a mensuração do prejuízo sofrido pelo dano temporal.
Mesmo considerando que a responsabilidade por dano temporal ainda é novidade no meio jurídico, percebe-se a inserção deste instituto no meio acadêmico, jurisprudencial e doutrinário. As teses acerca do dano temporal devem se firmar e se desenvolver com força nos próximos anos, de forma que o bem jurídico tutelado “vida” possa dispor de tempo para, de fato, ser vivido conforme disposto, preferencialmente sem dissabores que o limitem de ser usufruído.
Autor: Daniel Soares Pinto
Jurista e Auxiliar Jurídico
14\02\2024